Cindy Barardo: “A saudade é inevitável, mas transforma-se em orgulho quando vemos os nossos filhos a construir o seu próprio caminho.”
- Sara Sousa
- 2 de out.
- 6 min de leitura
Deixar um filho partir para o outro lado do oceano não é fácil. Mas quando esse passo representa a concretização de um sonho, o orgulho fala mais alto do que a saudade. Foi isso que viveu Cindy Barardo, mãe de Malik, estudante-atleta português que embarcou rumo à Viterbo University.
Nesta entrevista, Cindy partilha connosco a jornada que antecedeu a partida, as emoções de ter acompanhado de perto os primeiros dias do filho nos EUA, a experiência de regressar sem ele, e as expectativas para esta nova etapa.

Quando é que este sonho começou a ganhar forma para o Malik e para a família?
O Malik sempre teve contacto com os Estados Unidos. Eu sou luso-americana e ele tem cidadania através de mim, e já tinha visitado família na costa Leste. Quando fez 16 anos, pediu para viajar duas semanas sozinho para os EUA, ficou com os tios e voltou de lá com a certeza absoluta de que era ali que queria construir o seu futuro. Quando regressou dessas férias, mudou de clube. O que, na altura, parecia uma “maldição” acabou por ser uma bênção. Pouco tempo depois de chegar ao Grupo Desportivo dos Pescadores da Costa da Caparica, colocaram faixas da Next Level com a frase “Queres estudar nos EUA?”. O universo parecia estar a conspirar a favor dele. Se tivesse ficado no outro clube, talvez não estivéssemos aqui hoje...
E, enquanto mãe, quais foram as maiores preocupações nessa altura?
A maior preocupação foi, sem dúvida, a distância. Três voos separam-nos agora, e isso pesa no coração. Mas também havia um receio muito específico: o Malik foi para o Wisconsin, um estado que não conhecíamos e sabíamos que seria muito diferente do que estávamos habituados. Além disso, o Malik tem descendência africana e, não sendo caucasiano, sobretudo num estado do interior, confesso que tive medo de racismo. Queremos sempre que os nossos filhos estejam em ambientes seguros, onde são respeitados e acolhidos.
Como foi então o dia do embarque, quando o sonho se tornou realidade?
Foi um turbilhão de emoções. Ver família e amigos em lágrimas foi duro. Havia um misto de orgulho e saudade antecipada. Também vimos a outra família, de outro atleta português que foi para a mesma universidade e equipa, com o coração apertado por não poder acompanhar o filho. No nosso caso, como eu ia embarcar com ambos, o nervosismo deu lugar a uma enorme adrenalina e entusiasmo. Era o início de um novo capítulo.
Teve oportunidade de acompanhar o Malik até aos EUA. O que sentiu nesse momento?
Uma felicidade imensa. Poder estar com ele, ajudá-lo a instalar-se, ver o ambiente com os meus próprios olhos. Foi um privilégio. Sentia que, de alguma forma, estava a suavizar a mudança para ele e também para mim. Além disso, ele teve a sorte de ter outro aluno português a juntar-se a ele. Na universidade onde ele ficou, é obrigatório viver nas residências do campus durante os dois primeiros anos. O Malik teve a sorte de partilhar o quarto com outro atleta português (o mesmo que se juntou a nós no embarque para os EUA), também ele a iniciar a mesma jornada. Rapidamente se tornaram amigos-irmãos, para além de colegas de quarto.
Teve oportunidade de conhecer a universidade, as instalações e a equipa, de perto. Como descreve a sua primeira impressão da Viterbo University?
Sim, tive, e adorei! Eu nasci e estudei nos EUA apenas até ao ciclo. Sempre associei as universidades ao que vemos nos filmes. E foi exatamente essa a sensação: parecia que estava dentro de um filme. Os dormitórios são fantásticos, o refeitório de excelente qualidade, eram essas, confesso, algumas das minhas maiores preocupações como mãe. O que mais me impressionou foi o orgulho de todos pela universidade. O branding é fortíssimo, o merchandising está por todo o lado. Vestem, literalmente, a camisola! As atividades para criar comunidade entre alunos e staff são constantes. As instalações são excelentes e a equipa de futebol é super multicultural, uma verdadeira família. Cheguei a pensar: “Se calhar inscrevo-me também… mas num curso para executivos, claro!”
Sentiu-se mais segura depois de ver tudo com os seus próprios olhos?
Diria mais tranquilidade do que segurança. Ver com os meus próprios olhos onde ele iria treinar, estudar, conviver, conhecer as pessoas que o rodeiam, isso traz paz ao coração. Quando falamos ao telefone, consigo visualizar onde ele está, e isso ajuda muito a gerir a saudade. Parece que estou lá com ele.
Como descreve a experiência de ter estado presente nesta transição?
Foi única. Estar ao lado dele neste momento tão importante deixou-me orgulhosa, emocionada e, acima de tudo, grata por poder apoiá-lo na realização de um sonho. De certa forma, estar lá ajudou-me a aceitar melhor a mudança e a regressar a Portugal com o coração mais leve.
Mas regressar sem ele deve ter sido duro…
Foi duro. A casa ficou mais silenciosa, senti aquele vazio de mãe… ninho vazio! Mas vinha com o coração tranquilo, porque percebi que ele estava feliz, focado, no lugar certo. A saudade é inevitável, mas transforma-se em orgulho quando vemos que estão a construir o seu próprio caminho.
O que mais a tranquilizou ao ver de perto esta nova realidade?
Ver como ele foi bem recebido. Há uma estrutura montada para apoiar os atletas, tanto a nível académico, logístico, psicológico como desportivo, e um espírito de equipa/comunidade muito forte. Saber que ele não está sozinho, que tem pessoas a quem recorrer, deixou-me muito mais serena.
O que mudou no dia-a-dia da família desde que o Malik ficou nos EUA?
Agora falamos todos os dias ao telefone, algo que antes quase não acontecia. Partilhamos pequenas coisas do dia a dia que antes passavam despercebidas. De certa forma, a distância aproximou-nos de outra maneira.
Lembra-se da mensagem que lhe deixou no momento da despedida?
“Talvez não corra como esperas, mas descobrir se vai dar certo será a maior aventura de todas. Somos nós que temos de criar as nossas próprias oportunidades. Arrisca, sempre! E, claro: I love you more.”
E quais são agora as suas expectativas para esta nova etapa?
Espero que cresça em todos os sentidos: como estudante, como atleta e, principalmente, como pessoa. Que aproveite cada oportunidade, que enfrente desafios que o façam amadurecer e que crie memórias e amizades para a vida toda.
A nível académico, desportivo e pessoal, o que espera que ele retire desta experiência?
A nível académico, que absorva o máximo de conhecimento e experiência internacional que a universidade lhe oferece. A nível desportivo, que evolua e aprenda com culturas e estilos de jogo diferentes. A nível pessoal, que se torne mais independente, resiliente e confiante para o futuro.
Que mensagem gostaria de deixar a outros pais que estão a viver ou vão viver o mesmo processo?
Que tenham coragem de deixar os filhos seguirem os seus sonhos, mesmo que isso signifique deixá-los partir para longe. O medo e a saudade estão sempre presentes, mas a alegria de os ver crescer e realizar-se compensa tudo. Se puderem, acompanhem-nos no início, porque ajuda a dar paz ao coração. E criem uma rede de apoio com outros pais; no meu caso, a mãe do outro atleta tornou-se uma verdadeira amiga. Que tenham coragem de deixar os filhos seguirem os seus sonhos, mesmo que isso signifique deixá-los partir para longe. O medo e a saudade vão estar sempre presentes, mas a alegria de os ver crescer e realizar-se compensa tudo. Conhecer o ambiente, as pessoas, o local — se puderem acompanhar no início — ajuda muito a dar paz ao coração. O amor de mãe ou pai não diminui com a distância: transforma-se, mas continua a ser a maior força do mundo. Adicionalmente, recomendo vivamente que entrem em contacto com outros pais cujos filhos já estão ou vão para a mesma universidade. Criar essa rede de apoio faz toda a diferença: partilhamos dúvidas, preocupações e também alegrias. No meu caso, eu e a mãe do atleta que está com o meu filho falamos muito, apoiamo-nos mutuamente e, honestamente, hoje diria que somos amigas.
Para Cindy, ver o Malik partir foi um desafio, mas também um orgulho imenso. A sua história mostra que quando os filhos escolhem arriscar pelos seus sonhos, a distância não é perda. É prova de coragem partilhada!






















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